Porra, o texto abaixo já tem sete anos. Caralho! Relendo me fez lembrar cada passo desse dia. Detalhes que os anos apagaram, de certa forma. Mas que uma releitura traz à tona novamente. Fernando Pessoa estava certo quando disse: "Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida!".
Escrever é esquecer, de fato. Mas ler é perpetuar.
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- Como lida com as criticas sobre a universalidade de suas histórias ter um intuito comercial? Essas interpretações erradas geram uma polêmica desnecessária?
- Não, é pra gera polêmica mesmo. Eu acho que todos nós somos universais. Todo mundo tem fome, sede, saudade, raiva de vez em quando, amor... Tudo isso são instintos básicos. E eu coloco nas nossas histórias, de preferência, justamente isso, esses elementos. De forma dosada e suavizada, por conta do nosso público. Principalmente nos últimos 30 e poucos anos, pelo menos metade dos nossos leitores são crianças.
No começo não. No começo, eu fazia histórias para jornais, então o público era adulto. Mas depois que a molecada começou a adotar o autor Mauricio de Sousa como um autor infantil, eu precisei dosar um pouco as histórias, para fazer as coisas politicamente corretas. Mas sempre a proposta foi criar algo realmente universal. Só que você pode criar algo universal e que, acho que é ai que esta o segredinho, ao mesmo tempo possa ser entendido na sua rua, no seu bairro, na sua casa. E é o que acontece. Como poderiam explicar, então, o fato da televisão de Pequim querer o Chico Bento, que também faz sucesso há seis anos na Alemanha? Ou o sucesso danado do Pelezinho, quando saia, nos jornais da América Latina toda? Ou que o Cebolinha faz o maior sucesso na Europa, no norte da Europa e não no Sul?
Porque? Não sei. Ou explicar o fato do Horácio ser o personagem mais conhecido no Japão. É a universalidade, é eles falarem uma língua e terem sentimentos que todo mundo entende. Sem esquecer, antes de tudo, que eles são sentimentos, são emoções. E emoção não tem raça, não tem idade, não tem tempo e nem fronteira. É inerente ao ser humano. Consequentemente, se eu mantiver as nossas produções com essa proposta, eu acho que nos estaremos sendo sempre muito brasileiros, porque brasileiro é antes de tudo, muito universal. E estaremos sendo universais, porque todos somos universais. Então, eu não encaro esse tipo de crítica como algo que possa abalar ou que vá realinhar o que estamos fazendo. O que nos fazemos é o que eu quero fazer.
- Já que tocou no assunto, como é essa sua relação especial com o Horácio? Porque todo esse carinho especial por ele...
- Eu não tenho um carinho especial pelo Horácio, tenho por todos meus personagens... (risos)
- Mas ele é o único que ainda é desenhado e roteirizado por você...
- Mas eu quero passar para a equipe fazer. Eu não consegui passar. Eu queria me libertar... (risos) Eu queria ficar só lendo todos os roteiros, pensando em outros projetos, mas tenho que parar de vez em quando para fazer o Horácio. Ate houve alguns desenhistas que pegaram bem o desenho, mas faltava o grafismo, o layout... que é todo especial, é diferente dos outros. E faltava, principalmente, a filosofia inerente ao personagem. Então, eu não consegui passar por isso.
Consequentemente, o Horácio fala mais sobre mim porque sou eu quem desenho... e ao mesmo tempo é um personagem atemporal, é um dinossaurinho, vive num tempo que não tem referencias muito claras. Então, ali eu posso fabular à vontade. Eu posso jogar muito de mim, falar, fazer sátira e gozação, criticar... E ninguém percebe o que eu estou fazendo (risos).
- Ele é, então, seu melhor divã?
- É bem por ai.... Nas outras histórias, quando eu fazia a Mônica, por exemplo, eu não poderia ser outra pessoa além daquela menininha. Quando eu fazia o Cebolinha, eu tinha de ser aquele menininho. Qualquer outro personagem que eu fosse fazer, eu tinha de ser ele. E com o Horácio é assim. O próprio Jotalhão , às vezes, tinha muito sobre mim.... e o Bidu também. Pode perceber: são todos animais. E animais são ótimos para você fabular, pra contar... Às vezes não é nem contar, às vezes é inconsciente. É você soltar a coisa e depois olhar e falar: “Êpa! O que eu falei aqui mesmo?”...(risos)
Um exemplo: há muitos anos atrás, muitos amigos meus que não tinham muito contato mais comigo sabiam do que se passava comigo apenas ao lerem as histórias semanais do Horácio. Pensei: “Pô, que legal...”. Daí teve um dia que eu cheguei em casa e minha mulher perguntou: “Quem é aquela dinossaurinha que entrou na história, hein?”. Pensei: “Êpa! Essa terapia às vezes é transparente demais...” (risos).
- Qual leitura o público pode fazer dele (Horácio)?
- Bom, a história dele geralmente tem três leituras, dependendo da idade ou do tempo do leitor. O leitor, quando criança, tem uma maneira de ler o Horácio. Depois, quando cresce e vira jovem, faz uma outra interpretação. E depois, ao passar dos 30 ou 40 anos, tem um outra enfoque, totalmente diferente das outras. É mais ou menos o mesmo que acontece com certos livros. Em cada fase da sua vida, você vai ler e compreender diferente. Até com a Bíblia é assim: as vezes você sempre tem que buscar coisas novas, mesmo que já tenha lido, para ajudar a evoluir o espirito.
Então, pra mim não é só uma terapia.... alias, foi você quem falou que era terapia, eu não falei nada. Não coloque palavras na minha boca, viu... (risos)
O Horácio é um mistério pra mim. Quando eu sentava para fazer suas historinhas, geralmente era no horário em que o jornal estava fechando a edição. Eu ficava naquela: “quanto tempo falta pra fechar? Duas, três, uma hora?”. Demorava cerca de 40 minutos pra desenhar e escrever... Nunca deixou de sair, mas sempre esbarrava no fechamento do jornal. Como eu tinha de fazer correndo, não dava tempo pra planejar e pensar o que iria sair na história. Eu tinha que ir desenhando e já pensando no texto, torcendo para dar em cima com o último quadrinho. Não dava pra fazer esboço, pré-roteiro, sinopse, nada... Eu fazia o quadrinho com o balão, rezando para dar certo no final. E sempre dava. Por isso é um mistério pra mim. Às vezes, o pessoal da casa me pergunta ainda: “Como faz o Horácio?”. Daí eu falo: “Faz assim: senta e solta que vai.” E nunca ia. (risos)
Não conseguiam a descontração necessária para sair o Horácio, para sair o começo, meio e fim, o ritmo, o desfecho. E, de preferência, uma mensagem. O Horácio sempre tem uma mensagem. Mas mesmo assim, ainda queriam uma explicação sobre ele. E como eu sou autor de histórias em quadrinhos e posso viajar a vontade (risos), eu falei que o Horácio vem do futuro. Como o tempo é curvo, é só eu relaxar e escrever uma história que ainda vai acontecer... (risos). Algumas pessoas afirmam ainda que o Horácio é uma psicografia... Imagine um dinossauro pisicografando? (risos)
- Os livros “Navegando nas Letras I e II”, surgiram da vontade de escrever uma autobiografia sem falsas interpretações ou sem distorções?
- Quem falou pra você que são falsas? (risos) Nada é distorcido, ninguém em sã consciência iria mentir a meu respeito. Só que cada um realmente vê de um jeito. Quando vários amigos jornalistas começaram a ameaçar escrever minha biografia, eu percebi que iam nascer várias histórias diferentes porque cada um vê de um jeito. E cada um acha que tá certo. Então eu resolvi fazer essas “pilulazinhas” ai.... pra pelo menos colocar o lado oficial.
Aí está a história do jeito que eu acho que eu me lembro. E eu gosto de escrever. Cada vez mais tenho gostado de escrever. Assim como tenho me apaixonado por pintar também. Você percebe que estou me desviando um pouco das origens aí, né! Como tenho uma equipe ótima, com ótimos desenhistas e roteiristas, eu posso me dedicar a outras atividades artísticas tranqüilamente. Não tão tranqüilamente.... (risos), mas dá pra ir tocando. Eu gostaria até de ter mais tempo pra escrever livros, o que vou fazer mais pra frente. E gostaria de ter mais tempo também para pintar mais. Já estou preparando o terreno para daqui uns 10 anos começar a pintar paisagens de fotos que tiro. Fotografia também é um hobby para mim. Tenho mania de fotografar.
- Voltando para as HQs, como você viu o boom dos quadrinhos nacionais, especialmente os adultos, nos anos 80? Na sua opinião, a que se deve esse acontecimento?
- Acho que se deveu a uma expansão da histórias em quadrinhos eróticas, um pouco antes da década de 80. Houve uma época que, quando se abriu a possibilidade de se fazer historias eróticas no Brasil, as chamadas “historias de sacanagem”, todos os artistas, menos eu, saíram correndo para faturar com esse mercado que se abria. Foi depois da ditadura, dos anos de amordaça. Assim, depois desse período, todo mundo queria ir nos cinemas para ver filmes proibidos, comprar quadrinhos proibidos...
Quando abriram as porteiras, todo mundo gritou “êba, tudo pode agora.....” e foi aquela coisa toda. Aí, a coisa cansou. Dezenas de desenhistas migraram para esse mundo e a coisa, como sempre, cansou, o povo todo já estava saciado. Depois disso, os bons desenhistas que faziam historias eróticas, resolveram procurar outros nichos. Já estavam com o traço bom, com boa técnica, partiram para as aventuras.
Mas os quadrinhos de aventuras ainda não tinha muito mercado aqui. Mas o mercado externo estava aberto também. Daí ficaram aqui, ali.... E acho que foi isso que serviu para motivar todo esse mercado de liberdade nas HQs que vemos hoje. Aliás, se deve também aos belíssimos desenhos dessas super-heroínas desenhadas por brasileiros. São bem sensuais, sexys.... Tudo isso nasceu naqueles velhos tempos.... Não tinha pensando nisso até você me perguntar. Agora recordando, consegui formar uma opinião sobre isso. Eu tava lá, eu vi tudo isso acontecer....
- Qual desenhista brasileiro você admira?
- Olha, gosto muito do layout do Laerte, viu? Uso os desenhos dele como lição para meus desenhistas aqui, quando estão com dificuldade de desenhar. Já tive a oportunidade de dizer isso a ele. O jeito dele manipular massas nos quadrinhos é maravilhoso. O Angeli, se tivesse sentado em Nova Iorque com essa crise toda dele, já tinha dominado o mundo. Temos artistas incríveis aqui, cada um com uma proposta diferenciada.
- O que você ainda lê em quadrinhos?
- Eu tento ler algumas coisas novas que aparecem por ai, tento acompanhar as que eu já lia antes... Gosto muito ainda do Hagar, mesmo não sendo desenhada mais pelo Dirk Browne e sim pelo seu filho. Continuam ótimas ou melhoraram ainda mais. Gosto das tiras do “Jornal da Tarde”. Já os super-heróis, depois que começaram a ficar muito sofredores, perdi um pouco o gosto. Eu não gosto disso, sabe? Gosto mais do super mesmo, da fantasia... nessa hora, eu sento no chão, boto calça curta e volto aos meus 8, 9 anos de idade. Naquela época, eu queria que o Super-Homem continuasse sempre com aquele mesmo jeito, que nunca mudasse suas características. Pode ser fuga, alienação, não aceitar mudança..... pode ser! Mas se eu mudar o jeito da Mônica, vão botar fogo no prédio aqui. Então, quando começam a mudar muito, é sinal de que o personagem já foi. Quando ele se mantém com as mesmas características sempre, é sinal de que ele esta forte, dinâmico e mais vivo do que nunca. Então, pra que mudar? O Garfield nunca mudou. A Mônica nunca mudou. Charlie Brown e sua turma nunca mudaram. Agora, um casa e descasa, o outro morre e ressuscita, vai e não vai... ah, isso me enfeza. Isso não é serio, é falta de respeito com o público.
3 comentários:
Viajando e sonhando com essa entrevista...
Que criatura mais apaixonante... já li e reli e ainda não sei direito o que comentar... estou encantada... obrigada por esse presente... :D
Nossa ... uma das melhores entrevistas desse blog...se não for "A"
AMEI....
calmaí.. q vou ler td de novo e já volto... :D
Adorei a entrevista...Sempre gostei muito do Mauricio de Sousa.
Agradeço a minha querida mãezinha que me enchia de gibis...caixas e caixas.
Depois de alguns anos, doei p uma creche...confesso que me arrependo dessa minha boa ação, pq é bem provavel que eles tenham usado para fazer "trabalhos de colagem".
bj
cara, eu contribuí para o tiro & queda. achei que ninguém mais lembrava desse blog.
[]s
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